A importância do treino cognitivo nas pessoas com demência
Um processo demencial acarreta perdas fundamentais para a pessoa em vários domínios: psicológico, cognitivo, funcional, familiar, social e económico. Neste sentido, é muito importante que a pessoa com demência beneficie de um acompanhamento holístico, personalizado e especializado, onde todas as suas perdas e potencialidades são consideradas, mas também onde é dado sentido ao sofrimento que experiencia diariamente e que, muitas vezes, expressa de diferentes formas (medo, tristeza, confusão mental, desorganização, desespero, frustração, falta de confiança em si e nos outros, apatia, isolamento social).
É assim percetível que um acompanhamento estruturado e especializado poderá, em muitos casos, ter um benefício inestimável para estas pessoas, assim como para os seus familiares e/ou na reorganização do sistema familiar.
O treino cognitivo (TC) apresenta-se como uma ferramenta poderosa na ajuda às pessoas com demência, no sentido de as ajudar a perceberem-se de uma forma mais ajustada. Não tem apenas o objetivo de estimular as funções cognitivas, mas também de ser uma arma contra os sentimentos depressivos ou de boicote para com o próprio, sendo, por isso, realizado por Psicólogos Clínicos com formação avançada em Neuropsicologia ou Neurociências.
Nas sessões de TC, é tão importante a estimulação das funções cognitivas, como todo o acompanhamento emocional necessário para a organização dos lutos que vão surgindo, estimulação da autoestima, estruturação do autoconceito, motivação e capacitação da pessoa com demência. No que respeita às funções cognitivas (capacidade de orientação, atenção, memória, linguagem, cálculo, planeamento, flexibilidade mental, gnosias, capacidade visuo-perceptiva, visuo-espacial e visuo-construtiva), estas são ferramentas fundamentais na forma como a pessoa apreende e se move na sua realidade e no seu dia a dia, como desempenha as suas tarefas de vida diária e como se relaciona consigo e com os outros. Assim, o TC tem como objetivo a ativação das capacidades cognitivas da pessoa com demência, tentando a sua manutenção durante o máximo tempo possível e, assim, potenciar a diminuição dos défices cognitivos e/ou o adiamento da sua progressão, permitindo a sua autonomia e a manutenção de tarefas ou atividades que lhe sejam prazerosas ou o ingresso em novas atividades.
Importa ainda distinguir o conceito de treino cognitivo do conceito de estimulação cognitiva:
• O treino cognitivo refere-se ao uso de tarefas estandardizadas para aumentar ou manter determinadas funções cognitivas (Buschert et al., 2010; Clare & Woods, 2004);
• A estimulação cognitiva promove o envolvimento em atividades cujo objetivo é melhorar o bem-estar geral da pessoa, sem objetivos específicos (Clare, Woods, Cook, Orrell & Spector, 2003; Clare & Woods, 2004), podendo ser realizada por qualquer pessoa sem formação na área da Neuropsicologia.
Ter em conta que:
• O excesso de estimulação pode ser prejudicial;
• Frustrar a pessoa em determinadas tarefas usadas no TC e não saber lidar com esta frustração pode levar a recusas da pessoa na adesão ao TC, inviabilizando uma resposta clínica de elevada importância para a pessoa;
• O TC nunca é definido de forma arbitrária, tem sempre em conta o diagnóstico clínico, o tipo de alterações cognitivas e emocionais e a subjetividade do doente enquanto pessoa.
Dra. Erica Marcelino
Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde
Especialidades Avançadas em Neuropsicologia e Psicogerontologia
Mestre em Neurociências
Referências Bibliográficas
Buschert, V., Bokde, A. L. & Hampel, H. (2010). Cognitive intervention in Alzheimer disease. Nature Reviews Neurology, 6(9), 508-517. Clare, L. & Woods, R.T. (2004). Cognitive training and cognitive rehabilitation for people with early-stage Alzheimer’s disease: a review. Neuropsychological Rehabilitation, 14 (4), 385-401. Clare, L., Woods, R.T., Cook, E.D., Orrell, M. & Spector, A. (2003). Cognitive rehabilitation and cognitive training for early-stage Alzheimer’s disease and vascular dementia. Chrocane Database Systematic Review, 4. Martin, M., Clare, L., Altgassen.