Inclusão escolar de uma criança com perturbação no espetro do autismo
Como consequência de mudanças legislativas e culturais bem como pela precocidade de diagnósticos, as escolas têm, nos últimos anos, acolhido mais crianças e jovens autistas. O processo de inclusão não é linear nem isento de barreiras de diversas ordens e existem diversos níveis. Este facto é, por vezes, mais acentuado quando falamos da inclusão escolar de alunos autistas. Aspetos que se relacionam com os traços que caracterizam, na generalidade, a pessoa autista, mas muitas vezes por preconceitos relativamente a construtos que acabam por definir de forma rígida e estigmatizante esta condição neuroatípica.
Enquadramento:
- O autismo, enquanto condição neuroatípica, tem sido descrito como uma diferença que se insere num quadro de neurodiversidade. É uma forma diferente de perceber e experimentar o mundo que realiza forças e desafios. A pessoa neurodivergente processa a informação de forma diferente de outras pessoas. Na generalidade, observa-se uma hipersensibilidade auditiva, visual e/ou tátil. Por vezes, existe dificuldade na regulação sensorial, o que pode ser, num mundo típico, um desafio, mas também pode facilitar experiências mais significativas e agradáveis. Em situações de interação social e comunicação, o discurso irónico e metafórico bem como a linguagem corporal podem ser outro desafio. As alterações bruscas de rotina nem sempre são descodificadas, podendo desencadear respostas não percebidas pelos parceiros de relação. No entanto, nenhuma destas características define a identidade de todas e cada uma das pessoas autistas concretas.
- O termo inclusão descreve, na generalidade, o direito à educação em contextos normalizados, diferenciados e o menos restritivos possível. Refere-se a dimensões políticas, culturais e práticas. Na escola, é um processo que remete para o trabalho em equipa que se consolida na coadjuvação tanto ao nível do ensino, como das aprendizagens e no co-ensino, na planificação e reflexão conjuntas, e no desenvolvimento de estratégias de ensino e de aprendizagem diferenciadas. O acesso ao currículo é parte do processo de estar na comunidade escolar a que se pertence por direito e com direitos, participar de forma equitativa, envolvendo-se e participando de forma crítica e autodeterminada é importante para todos os alunos.
Desenvolvimento:
Como em qualquer processo de relação é necessário tempo para conhecer o outro, mas neste processo, os agentes educativos têm funções e papéis formais. Por este motivo deve haver intencionalidade, mais ou menos formal, na ação que se refere a:
- Momentos de avaliação – remete para um conjunto de interações e atividades que decorram em contextos naturais diversos (sala de aula, pátios, refeitório, momento da entrada, momento da saída, etc.). Os juízos de valor realizam, de forma integrada e relacionada, às dimensões: psicomotora, sócio emocional e afetiva, e cognitiva, ou seja, de organização dos processos de pensamento. Realiza a identificação e descrição de padrões de comportamento e estilos de aprendizagem: identifica o que faz, como faz, com quem faz, quando faz e onde faz e tenta compreender porque faz. É um processo circular assente em estratégias de resolução de problemas. Também é um processo contínuo e formativo, ou seja, um processo de avaliação para as aprendizagens que contempla momentos de avaliação das aprendizagens.
- Momentos das planificações e intervenção – Independentemente do nível de ensino, do modelo pedagógico e/ou do(s) programa(s) específico(s) que se decida desenvolver, existe a necessidade de estabelecer rotinas que facilitem a previsibilidade e a organização (externa – interna) da atividade e das interações, mas também a necessidade de educar para a mudança, de prever a alteração de rotinas. Os contextos de ação devem ser significativos, compreensíveis e permitir a diversificação de experiências. O ato de ensino deve ser explícito, assertivo e prever os materiais didáticos, bem como as acomodações e os recursos humanos adequados ao perfil comportamental e de aprendizagem de cada aluno em concreto. É importante lidar com mais tempo na resposta aos estímulos e perceber que esta pode não ser direta e/ou pode ser telegráfica, mas é importante ter em conta a idade e o nível de ensino, implicados nas aprendizagens dos conteúdos curriculares. A aprendizagem do mecanismo da leitura e da escrita é essencial a par com as aprendizagens ao nível da numeracia e da matemática. A operacionalização dos pressupostos inerentes ao modelo de diferenciação pedagógica e os princípios teóricos e práticos relacionados com o Desenho Universal para a Aprendizagem, nas suas três dimensões (múltiplos meios de envolvimento, múltiplos meios de representação/apresentação e múltiplos meios de expressão/resposta) constituem-se como um bom mecanismo de acesso ao currículo para os alunos autistas. Os processos de transição entre serviços, entre técnicos, entre contextos de aprendizagem, entre níveis de ensino, etc., não devem ser esquecidos.
Na escola o processo de interação com uma criança ou jovem autista refere-se, essencialmente, à facilitação do acesso ao currículo tanto na dimensão formal como informal. Cada pessoa é uma pessoa com todas as suas idiossincrasias pessoais, sociais e culturais, independentemente do ser autista.
Joaquim Colôa
04/2023