O risco dos Acidentes Vasculares Cerebrais (AVC) no desenvolvimento de demências e Alzheimer
A Doença Vascular Cerebral é muito frequente e causadora de vários síndromes clínicos. O Acidente Vascular Cerebral (AVC) tem uma conotação com a instalação relativamente súbita de défice neurológico. A designação anglo-saxónica usada, stroke1, evoca bem essa noção de rapidez com que se instalam os sintomas. Estes resultam de isquemia por obstrução dos vasos, ou por hemorragia devida à rutura desses mesmos vasos. Por vezes instala-se faseadamente, com a repetição de AVC.
Nalguns casos, o doente pode perder capacidades cognitivas anteriormente existentes e desenvolver demência. A demência é uma síndrome com várias etiopatogenias, e que resulta da perda ou disfunção de capacidades cognitivas prévias e com intensidade capaz de interferir com as atividades da vida diária.
No caso de estar associada, temporal e etiologicamente, a doença vascular cerebral tem o nome de Demência Vascular. Outras demências, muito prevalentes, como a demência de Alzheimer, têm causas próprias, muitas vezes referidas como neurodegenerescência.
No entanto, foi-se acumulando evidência científica de que existe um espetro de patologia vascular desde a Demência Vascular até à Doença de Alzheimer, e um grande grupo de doentes com patologia mista (Neurology 2009;72: 368-374). Isto é, nalguns doentes podem coexistir causas neurodegenerativas e causas vasculares. Essa patologia vascular não se resumiria ao stroke com as clássicas lesões na distribuição dos grandes vasos, mas também outras pequenas lesões postas em evidência sobretudo graças às técnicas de imagem e estudos vários subsequentes. A RMN cerebral revela, em muitos doentes, pequenas lesões subcorticais, traduzidas por hiperintensidades da substância branca, enfartes lacunares ou microhemorragias, e que pareciam acompanhar o declínio cognitivo desses doentes. Mais, parecia que as alterações vasculares descritas poderiam atuar sinergisticamente, ou concomitantemente com a patologia de Alzheimer, produzindo uma disfunção cognitiva maior do que cada patologia isoladamente.
Chegou-se assim ao conceito de Doença de Pequenos Vasos que afetaria a microvascularização cerebral profunda e incluiria disfunção da barreira hematoencefálica, alteração da vasodilatação, da rigidez vascular, da circulação sanguínea e da drenagem de fluidos intersticiais, rarefação da substância branca, isquemia, inflamação, lesão da mielina e neurodegenerescência secundária (Lancet Neurol 2019; 18:684-96). As causas e a apresentação são muito diversas, desde as formas esporádicas comuns até formas raras de origem heredofamiliar. De qualquer modo a Doença de Pequenos Vasos tem assumido cada vez mais um papel central nas causas de demência e contribuído, como causa, para cerca de cinquenta por cento de todas as demências.
A Lancet Commission on Dementia prevention, intervention and care (Lancet 2020; 396: 413-46) identificou 12 fatores modificáveis e, entre eles, a hipertensão na meia-idade, a diabetes, e a obesidade. Também o estudo WW-FINGERS (Alzheimers Dement 2020; 16:1078-94) realça a importância do controlo vascular e do risco metabólico como prevenção na demência. Isto traduz a importância da patologia vascular cerebral em grande parte das causas de demência, e a possibilidade de tratamento preventivo.
Stroke1 – No ICD-11 (2022), as Doenças Cérebro Vasculares, em bloco, foram finalmente integradas no Capítulo das “Doenças do Sistema Nervoso”.