Paradigma da resistência aos antibióticos – Professora Doutora Aida Duarte
Desde a introdução da penicilina (1944), os antibióticos têm sido amplamente utilizados tanto em contexto hospitalar como comunitário. Na década de 80, foi considerada a época áurea de produção e introdução na clínica de medicamentos com atividade antibacteriana. Desde então, o desenvolvimento de novas moléculas foi acompanhado pela a aquisição, por parte das bactérias, de mecanismos de resistência a uma velocidade surpreendentemente exponencial. Neste contexto, uma das principais causas responsáveis pela diminuição da atividade antibacteriana deve-se ao uso indiscriminado de antibióticos na clínica e na pecuária, o qual tem contribuído para o aumento da pressão seletiva de bactérias multirresistentes. Estamos perante um problema emergente de Saúde Pública, nos quais se inserem as infeções hospitalares, presentemente alargadas à comunidade, e conhecidas como Infeções Associadas aos Cuidados de Saúde (IACS). Estas infeções têm por base bactérias multirresistentes e representam um problema crescente em todo o mundo, ao ponto de a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Centers for Disease and Control (CDC) a descreverem como uma crise global e uma catástrofe iminente de um retorno à era pré-antibiótica.
As bactérias podem manifestar a resistência aos antibióticos por dois processos, os quais são responsáveis pelo surgimento e prevalência da resistência antimicrobiana, e consistem em mutação genética ocorrida em baixa frequência e aquisição de genes entre bactérias. Todos os mecanismos de resistência a antibióticos, adquiridos por bactérias oportunistas e patogénicas, evoluem com mutações que ocorrem em genes pré-existentes do cromossoma bacteriano, selecionados positivamente por forças ambientais e que podem ser responsáveis pela diminuição da afinidade dos antibióticos aos seus alvos. A aquisição de genes de resistência tem sido considerada o principal contribuinte para a ampla distribuição e disseminação da resistência antimicrobiana, por meio de transferência vertical ou horizontal. A transferência horizontal envolve elementos genéticos móveis, como plasmídeos, transposões, integrões e bacteriófagos. O papel desempenhado por estes elementos entre as bactérias está bem documentado e foi considerado o ponto fulcral para o desencadeamento dos “Super Bugs”.
Estudos metagenómicos revelaram genes de resistência homólogos aos genes amplamente distribuídos em locais ambientais e permitiram a formação de um banco de dados com mais de 20.000 genes de resistência, a partir de sequências no genoma bacteriano disponíveis nas bases de dados. No entanto, o número de determinantes de resistência funcionais em bactérias patogénicas é muito menor. A ampla disseminação de elementos de resistência é inconsistente com uma hipótese de emergência contemporânea e, em vez disso, sugere uma história natural de resistência. Mas, pouco se sabe sobre a diversidade e a origem dos genes de resistência entre as bactérias ambientais não cultiváveis e conhecidas por análise metagenómica. O solo é um reservatório potencialmente rico – a complexidade da sua comunidade microbiana, juntamente com a alta densidade de bactérias produtoras de antibióticos, torna o solo uma provável origem para diversos determinantes de resistência a antibióticos. Isso levanta muitas questões sobre as funções naturais do meio ambiente. Recentemente, há evidências de que habitats ambientais, especialmente corpos d’água como rios e riachos, são vetores ideais para a disseminação da resistência a antibióticos. O surgimento e aumento da resistência aos antibióticos observados em todo o mundo não pode ser explicado apenas pelo crescente uso de antibióticos em humanos, mas envolve uma complexa interação num ecossistema, que compreende comunidades microbianas, antibióticos e genes de resistência aos antibióticos.