Tratamento das infecções por Mycobacterium tuberculosis: onde estamos, para onde vamos?

A agenda da Organização das Nações Unidas (ONU) define, como uma prioridade mundial, a estratégia de resposta global para erradicar a tuberculose (TB) até 2030. A resolução da ONU reconhece que a TB ainda está entre as 10 principais causas de morte em todo o mundo, sendo a principal responsável pela morte de doentes co-infetados com VIH e por um terço das mortes globais relacionadas com a resistência antimicrobiana. De acordo com dados de 2020 da Organização Mundial de Saúde (OMS), 23% da população mundial, aproximadamente 1,7 mil milhões de pessoas, estão infetadas com o bacilo da TB, Mycobacterium tuberculosis (Mtb). A incidência de TB é de 10 milhões de novos casos/ano e a mortalidade devido à TB é de 1,8 milhões de pessoas/ano. A terapêutica padrão para o tratamento da TB suscetível requer o uso combinado de etambutol, isoniazida, pirazinamida e rifampicina por vários meses. Este é um regime terapêutico prolongado com efeitos adversos ​​que podem levar a uma má adesão à terapêutica por parte do doente. O tratamento inconsistente ou incompleto pode resultar no desenvolvimento de estirpes de Mtb resistentes a estes fármacos, o que exige o uso de fármacos menos eficazes e toleráveis.

A TB multirresistente (TB-MR) é causada por uma estirpe de Mtb resistente, pelo menos, à isoniazida e rifampicina, enquanto a TB extensivamente resistente (TB-XDR) é definida pela resistência adicional a qualquer fluoroquinolona (levofloxacina, moxifloxacina e ofloxacina) e pelo menos a um agente injetável (amicacina, capreomicina e canamicina). A taxa de sucesso no tratamento da TB-MR e TB-XDR é de apenas 54%, o que significa que, para um número significativo de  doentes, especialmente aqueles com TB-XDR, o prognóstico é a morte. Os fatores que tornam as opções de tratamento existentes para a TB-MR e TB-XDR inadequadas são a elevada toxicidade medicamentosa e incidência de efeitos secundários indesejáveis, a duração prolongada do tratamento (mais de 18 meses) e o custo elevado do tratamento. Para ultrapassar o problema do insucesso da terapêutica, a OMS aprovou vários antibióticos de uso recente, direcionados para o tratamento da TB-MR como a bedaquilina, delamanida e pretomanida com o objetivo de melhorar a eficácia do tratamento da TB-MR/TB-XDR. Essas recomendações basearam-se na otimização de todos os aspetos do tratamento da TB, incluindo a redução da duração do tratamento, a otimização das dosagens e o desenvolvimento de novos regimes terapêuticos. Apesar da eficácia dos medicamentos mais recentes para a TB, a sua implementação lenta, biodisponibilidade baixa e toxicidade cardíaca elevada levou a um interesse renovado na utilização de antibióticos disponíveis para o tratamento de outras doenças infecciosas que apresentam elevada segurança e eficácia e poderão ser uma alternativa de último recurso para o tratamento da TB-MR, especialmente em locais com poucos recursos, onde vive a maioria dos doentes com TB.

Em 2016, a OMS classificou os medicamentos para a TB-MR em quatro grupos, tendo em consideração a sua segurança e eficácia: Grupo A: levofloxacina, moxifloxacina, gatifloxacina; Grupo B: amicacina, capreomicina, canamicina (estreptomicina); Grupo C: etionamida/protionamida, cicloserina/terizidona, linezolida, clofazimina; Grupo D: D1: pirazinamida, EMB, INH em dose alta; D2: bedaquilina, delamanida; D3: ácido p-aminossalicílico, imipenem-cilastatina, meropenem, amoxicilina-clavulanato (tioacetazona).

Desde essa classificação, os antibióticos pertencentes à classe dos beta-lactâmicos estão entre as opções de tratamento da TB-MR. Os antibióticos beta-lactâmicos são os antibióticos mais usados ​​em todo o mundo, mas apenas recentemente foram considerados uma alternativa para o tratamento da TB-MR (especialmente os carbapenemos), conjugados com um inibidor das beta-lactamases como o clavulanato. Esta classe de antibióticos foi reconsiderada nos últimos anos devido à escassez de novos fármacos para o tratamento da TB-MR. Infelizmente, os dados pré-clínicos e clínicos relativos ao uso de carbapenemos em combinação com medicamentos anti-TB convencionais são muito limitados, sendo necessárias avaliações in vivo mais rigorosas de modo a identificar esquemas terapêuticos e dosagens otimizadas para tratar a TB-MR. A maioria dos carbapenemos existentes é administrada por via intravenosa, o que é impraticável no ambiente clínico, especialmente em locais com recursos médicos limitados. O desenvolvimento de carbapenemos de administração oral é urgente, uma vez que as formulações orais de carbapenemos e penem atualmente disponíveis, como o tebipenem e o faropenem, respetivamente, mostraram uma eficácia elevada contra Mtb. Assim, o desenvolvimento de esquemas terapêuticos contendo carbapenemos orais para tratar a TB-MR deve ser uma prioridade no tratamento da TB.

 

Maria João Catalão, PhD

Professora Auxiliar da FFUL