Vacinas contra o cancro: uma abordagem com potencial por explorar
O cancro é uma das doenças mais prevalentes a nível global, afetando anualmente milhões de pessoas em todo o mundo, com um impacto enorme nos doentes, nas famílias, nos sistemas de saúde e na sociedade em geral. Apesar do progresso extraordinário que tem sido alcançado nas últimas décadas do ponto de vista clínico, alicerçado em tratamentos como a cirurgia, radioterapia e quimioterapia, terapêuticas completamente curativas (isto é, que resultem numa cura total dos doentes) continuam a ser minoritárias, estando muitas vezes dependentes do estadio de avanço da doença aquando do diagnóstico. Neste contexto, as vacinas contra o cancro apresentam potencial para, ao longo dos próximos anos, serem mais uma opção no arsenal de “ferramentas” à disposição dos oncologistas.
Ao contrário de outras modalidades terapêuticas como a quimioterapia, que geralmente “atacam” células com elevada capacidade proliferativa anormais (como células cancerígenas) e também células saudáveis (como folículos capilares), as imunoterapias atuam a nível do sistema imunitário, estimulando o mesmo para que possa reconhecer as células tumorais como células anormais, e as elimine.
Já existem atualmente em uso clínico vários fármacos “imunoterapêuticos”, sendo os anticorpos inibidores de checkpoints imunitários (como o pembrolizumab) os que maior sucesso clínico têm revelado no tratamento de alguns tipos de cancro.
No caso das vacinas contra o cancro, distinguem-se dois tipos principais, diferenciadas pelo seu modo de ação:
- Vacinas preventivas: atuam de forma muito semelhante às vacinas tradicionais contra doenças infeciosas (como a gripe), sendo administradas de forma preventiva para criar memória imunitária contra determinados agentes infeciosos (em especial vírus), impedindo ou limitando a capacidade dos mesmos em causar doença após infeção.
O exemplo mais conhecido é a vacina contra o papilomavírus humano (HPV), que faz parte do plano nacional de vacinação para prevenção do cancro do colo do útero.
- Vacinas terapêuticas: são administradas após um diagnóstico de cancro, com o objetivo de estimular o sistema imunitário a reconhecer e eliminar especificamente as células cancerígenas.
Um dos exemplos nesta categoria é a Provenge® (Sipuleucel-T), uma vacina aprovada pelas autoridades de saúde dos EUA (FDA), para tratamento do cancro da próstata avançado, que revelou um aumento na sobrevida global dos doentes em ensaios clínicos. É uma vacina personalizada, que envolve recolha de células imunitárias do doente, exposição a uma proteína encontrada nas células tumorais, e posterior re-infusão. De notar que esta vacina já não possui autorização para administração em países regulados pela Autoridade Europeia do Medicamento (EMA).
A personalização é um dos fatores mais atrativos das vacinas terapêuticas. Ao serem adaptadas às mutações existentes nos tumores dos doentes, estas vacinas podem ser altamente eficazes (e apresentarem menos efeitos secundários) porque têm como alvo antigénios específicos que existem apenas nas células tumorais do doente (e não nas células saudáveis).
Apesar de resultados promissores em ensaios clínicos, as vacinas contra o cancro enfrentam ainda vários desafios, sendo de destacar (i) a capacidade de supressão imunológica dos tumores, que faz com que as células imunitárias possam perder atividade e eficácia no microambiente tumoral, (ii) a heterogeneidade em termos de resposta clínica, já que nem todos os pacientes respondem às vacinas e a sua eficácia, podendo variar com base no tipo de cancro e nas características individuais, e (iii) o custo e acessibilidade, já que o desenvolvimento de vacinas personalizadas exige recursos e infraestrutruras especializadas que podem torná-las dispendiosas e menos acessíveis para os doentes.
Numa perspetiva global, não revelando, neste momento, potencial curativo quando utilizadas como terapia única, as vacinas poderão constituir uma abordagem complementar que melhore a resposta clínica e a qualidade de vida dos doentes. À medida que a investigação clínica na área das imunoterapias e medicina personalizada se desenvolve, e a otimização de métodos de fabrico permite a redução de custos de produção, é expectável que as vacinas contra o cancro sejam incluídas num regime normal de tratamento dos doentes, tornando cada vez mais possível que o tratamento do cancro seja curativo para a maioria dos doentes.
Pedro M. Costa
Diretor de Operações
Stemmatters, Biotecnologia e Medicina Regenerativa SA