Viver com a doença celíaca

 

Viver sem um diagnóstico de doença celíaca foi difícil. Com 20 anos tinha alterações nas análises, anemia cuja origem desconhecíamos, era muito branquinha, com um desenvolvimento físico inferior ao esperado para a idade, e, mais tarde, as diarreias e os vómitos tornaram-se mais frequentes. Tudo isto relacionado com a má absorção intestinal de vitaminas e minerais.

O diagnóstico e as medidas alimentares que adotei deram-me uma vida nova. Melhoraram a minha saúde, desapareceram os sintomas e as alterações das análises e o meu desenvolvimento e aspeto físico tornaram-se muito mais saudáveis. O simples reconhecimento da minha situação clínica permitiu-me deixar de estar constantemente preocupada com a minha saúde e passei a centrar a minha preocupação na alimentação. 

Relembro que a doença celíaca tem predisposição genética e que é uma doença auto-imune e não uma simples intolerância alimentar. 

O pós-diagnóstico foi desafiante, já então nutricionista, mas longe da realidade de um celíaco. Tive que aprender a lidar com esta nova situação, com muitas dificuldades no início, mas felizmente pude contar com o apoio de pilares basilares – os meus pais, a Associação Portuguesa de Celíacos, os Encontros Nacionais de Celíacos e muita formação na área, que hoje faço questão de manter. 

Falar sobre doença celíaca é falar sobre a nossa alimentação, as nossas rotinas, os convívios, as festas e as férias. É conversar sobre algo imprescindível para a nossa saúde física e mental, com particular relevância quando o diagnóstico é na adolescência.

Lembro-me de ter diversos desafios ao longo destes anos. O mais difícil aconteceu na minha lua de mel no Brasil. No resort, apesar de contar com o apoio de uma “Nutricionista”, só me queriam dar comida diet (não isenta de glúten). Não consegui fazer um regime alimentar adequado e não me sentindo confiante vim da lua de mel com menos peso. Numa despedida de solteira, numa pizzaria, levei uma lasanha pré-feita, sem glúten, para me deliciar (seria impossível conseguir comer algo seguro isento de glúten numa pizzaria), mas diverti-me imenso. Em diversos casamentos tive que levar o meu trolley com a comida para todo o dia, porque o risco de ficar doente era muito provável, pelo risco sério e muito provável de contaminação com glúten. Desta forma, optei sempre por alternativas saborosas e seguras e, por isso, diverti-me sempre nestes momentos especiais. 

Atualmente com dois filhos, os desafios são diferentes. O meu filho mais velho tem 4 anos (o outro tem apenas 5 meses) e sabe que a mãe é celíaca, que existem alimentos que não pode comer e que ele pode por não ser celíaco, mas existem outros tantos que a mãe come e ele também, alimentos iguais, mas sem glúten, porque são seguros para a sua mãe.

Quero que ele compreenda que ser celíaca não me restringe nem limita em nada. Apenas me exige e obriga a uma organização das coisas de outra forma. Quero que ele saiba que muitas vezes a ajuda dele é preciosa, em coisas tão simples como não partilhar o seu pão e as suas bolachas comigo, e que tem de lavar as mãos para não contaminar os meus alimentos. Para os meus filhos, a nossa rotina acaba por ser normal. 

Neste contexto, todos nós na condição de adultos informados, perante crianças com doença celíaca ou alergias alimentares, temos a obrigação e o dever de combater eventuais preconceitos sobre esta situação. É a nossa função esclarecer e incentivar conversas nesta temática, ajudando a desmistificar eventuais preconceitos errados e contribuindo para  combater eventuais sentimentos de vergonha perante colegas e amigos, de algo imprescindível para a saúde deles, que é o rigor com a alimentação, com alimentos específicos ou com contaminações cruzadas.

 

Dra. Rita Morais, Nutricionista