Porque persiste a tuberculose?
O dia 24 de março marca mais um dia mundial da tuberculose (TB). Nesse dia de 1882, Robert Koch anunciava a sua descoberta do agente causal. Na época a doença matava uma em cada sete pessoas não excluindo classes sociais. A “praga branca” vitimou famosos como Mozart, Modigliani e por cá, Júlio Dinis, todos os sete irmãos e a mãe. A descoberta do bacilo de Koch, o desenvolvimento da vacina BCG, a melhoria das condições de nutrição e higiene levou a uma diminuição da TB ainda antes da descoberta dos antibióticos nos anos 40.
Desde então praticamente não se desenvolveram novas moléculas. A partir dos anos 80 com o surgir da SIDA assistiu-se a um aumento exponencial da tuberculose e ao aparecimento de casos de multirresistência. Todas as imuno-supressões facilitam a doença, toda a doença tratada com antibióticos leva à seleção de estirpes resistentes.
Surpreende muitas pessoas que a tuberculose continue a ser um dos grandes flagelos da humanidade. Uma em cada três pessoas no mundo está infetada, mas não doente (TB latente) e destes 10% irão manifestar a doença à medida que a idade e outras doenças comprometam os seus sistemas imunológicos. Anualmente mais de dez milhões de novos casos de tuberculose são notificados com cerca de dois milhões de mortes.
Há três razões pelas quais a tuberculose persiste: os líderes políticos não entendem a sociologia por trás disso, os cientistas não têm um paradigma efetivo para atacá-lo e os ricos e famosos não morrem mais de TB.
Seis países – Índia, Indonésia, China, Nigéria, Paquistão e África do Sul – respondem por 60% de todos os casos. A Rússia pode estar subestimando intencionalmente o número de casos e alguns países africanos não sabem quantos dos seus cidadãos estão infetados.
Os líderes políticos não conseguiram compreender os fatores sociológicos por trás da TB. Por exemplo, a prevalência da doença geralmente não aumenta após os desastres naturais, mas ocorreu no Haiti após o terramoto de 2010. Os campos de refugiados estavam lotados, o saneamento era pobre, as crianças estavam cronicamente desnutridas. As prisões e favelas também servem como incubadoras.
A inovação muitas vezes vem da introdução de ferramentas de um domínio diferente: as lesões pulmonares de uma infeção de TB apresentam semelhança marcada com tumores sólidos. O granuloma de TB tem muitas das características patológicas do cancro: hipóxia, núcleo necrótico, colagénio fibroso no rebordo externo, desenvolvimento de uma rede capilar circundante e presença de células fagocíticas. Assim, os cientistas que estão envolvidos na investigação da tuberculose poderiam procurar métodos alternativos para encurtar a duração do tratamento, reduzir a frequência da dose, reduzir os efeitos colaterais. Infelizmente, como não é um problema dos países desenvolvidos e não tem saída economicista, não se investe convenientemente em projetos de investigação na área. Dos três maiores assassinos – HIV, tuberculose e malária – a única doença para a qual temos realmente bons fármacos é para o HIV. A razão é simples: existe um mercado nos Estados Unidos e na Europa.
A terça parte da população infetada poderá começar a veicular estirpes multirresistentes e para as quais já não existe outro tratamento que não a cirurgia do pulmão afetado. Com uma população cada vez a envelhecer mais esta bomba irá explodir-nos nas mãos, mais tarde ou mais cedo, se nada fizermos para procurar e investir em novas alternativas terapêuticas.
-Professora Doutora Elsa Anes