Hipotiroidismo: uma doença muito feminina
MARIA JOÃO MATOS
Endocrinologista
INTRODUÇÃO
O hipotiroidismo, uma síndrome que engloba um conjunto de sintomas e sinais resultantes do défice de hormonas tiroideias (T3 e T4) e das suas ações nos tecidos periféricos, é comum e frequentemente não diagnosticado. Um estudo que avaliou, em Portugal, a prevalência de disfunção tiroideia como objetivo secundário encontrou uma prevalência de 4,9%, com uma proporção elevada de casos por diagnosticar, à semelhança do que se verificou no resto da Europa.
O hipotiroidismo define-se como primário quando a causa é tiroideia, ou central (secundário ou terciário) quando a causa é, respetivamente, hipofisária ou hipotalâmica. O hipotiroidismo primário, responsável pela grande maioria de casos de hipotiroidismo, pode ser ainda definido como clínico, caracterizado laboratorialmente por valores baixos de hormonas tiroideias e elevação da hormona estimuladora da tiroide (TSH), ou subclínico, caracterizado por uma TSH acima dos valores de referência, com valores normais de T4 e T3.
De uma forma muito genérica, o hipotiroidismo traduz-se numa lentificação do metabolismo, caracterizando-se por sintomas muitas vezes inespecíficos e insidiosos (como fadiga, aumento ponderal, intolerância ao frio, obstipação, queda de cabelo, unhas quebradiças, humor deprimido) e de magnitude muito variável (desde a ausência de sintomas, sobretudo em indivíduos com hipotiroidismo subclínico, até ao muito raro coma mixedematoso).
SEXO FEMININO COMO FATOR DE RISCO PARA HIPOTIROIDISMO
O hipotiroidismo é 8 vezes mais frequente na mulher do que no homem, e a sua prevalência aumenta com a idade. Um dos motivos pelos quais o sexo feminino é mais afetado pela doença prende-se com o facto de a mulher ter um risco acrescido de doenças autoimunes, e de a autoimunidade (tiroidite autoimune ou de Hashimoto) ser a causa mais frequente de hipotiroidismo em regiões com suficiência em iodo.
Outra razão apontada para a maior prevalência de hipotiroidismo na mulher é a interação entre as hormonas tiroideias e as hormonas sexuais, o que pode explicar o facto de a doença ser particularmente comum na mulher na peri e pós-menopausa.
IMPACTO DO HIPOTIROIDISMO NA MULHER
HIPOTIROIDISMO E APARELHO REPRODUTOR FEMININO
Além de ser muito mais frequente na mulher, o hipotiroidismo não tratado ou inadequadamente tratado tem impacto sobre o seu sistema reprodutor, podendo relacionar-se com alteração na idade da menarca, irregularidades menstruais, anovulação, amenorreia, galactorreia, hirsutismo e subfertilidade ou infertilidade.
HIPOTIROIDISMO E GRAVIDEZ
O desenvolvimento embrionário depende inteiramente das hormonas tiroideias maternas durante fases críticas do desenvolvimento cerebral (geralmente antes das 16-20 semanas de gestação). O hipotiroidismo não tratado na gravidez associa-se a risco aumentado de abortamento, parto prematuro, hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia, baixo peso ao nascimento, morte fetal e alterações neuropsicológicas e cognitivas na descendência. O rastreio universal do hipotiroidismo na mulher grávida é um tema controverso, sendo efetuado apenas em alguns países. Noutros, o rastreio é feito na presença de sintomas ou sinais de doença tiroideia, ou nas grávidas com fatores de risco para o desenvolvimento de hipotiroidismo (nomeadamente com idade ≥ a 30 anos, história familiar de hipotiroidismo ou de doença tiroideia autoimune, presença de doenças autoimunes como diabetes mellitus tipo 1, índice de massa corporal ≥ a 40 kg/m2 ou residência em área de insuficiência moderada a grave em iodo) ou história prévia conhecida de doença tiroideia.
HIPOTIROIDISMO E MENOPAUSA
O diagnóstico de hipotiroidismo é frequente na perimenopausa. Muitos sintomas, incluindo irregularidades menstruais, alterações do humor, depressão, aumento ponderal, dor e fraqueza muscular e diminuição da líbido, são comuns à perimenopausa e ao hipotiroidismo. Esta sobreposição de sintomas leva a desafios e atrasos no diagnóstico. O hipotiroidismo pode, por outro lado, associar-se ao agravamento dos efeitos cardiometabólicos ligados às alterações hormonais da menopausa e/ou ao envelhecimento, nomeadamente à dislipidemia. Não há, contudo, estudos que clarifiquem se a menopausa tem um efeito direto na tiróide independente da idade.
CONCLUSÕES
O hipotiroidismo, além de ser muito mais prevalente na mulher, tem um particular impacto sobre a sua saúde reprodutiva. Os sintomas e sinais do hipotiroidismo são muitas vezes inespecíficos e insidiosos, podendo confundir-se com outros frequentemente presentes em fases do ciclo de vida da mulher, como a gravidez e a menopausa. Este reconhecimento é importante para que possam ser efetuados um diagnóstico e tratamento adequados.